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CANÇÃO.

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CANÇÃO.

Ciumes.

teus golpes cuidei que as pisaduras Sómente o teu deleite recordassem:

Tantas lagrimas, tantas amarguras,
Cuidei, severo Amor, que te bastassem:
Eis que os ares rasgando,

Entre a accesa cohorte das saudades,
Vens armado de novas crueldades,

Que em meu coração vais exp'rimentando.

Nas primicias da vida, nessa idade
Em que um vago sentir me denotava
Teu poder, fero Deos, já co' a vontade
A impotente razão se disputava:
Dos ares perfumados,

Do argentino cristal das frescas fontes
Me aturdiam reclamos namorados,
Me fallavam de Amor valles e montes.

Bastava a luz, bastava-me o ar ligeiro,
Um gorgeio das aves deleitoso,
O surdo murmurar de algum ribeiro,
A escuridão de um valle cavernoso,
Para a prompta memoria

Me recordar de Clicie, ou de Arethusa,
De mil ternos amantes larga historia,
E ficar pelo exemplo a alma confusa.

Neste estado bradou-me Amor tão alto,
Que a gloria de vencer julguei pequena,
E o gosto de ceder ao doce assalto
Inaccessivel sempre á menor pena :
Bebi da doce taça

Que continha teus filtros venenosos...
O prazer foi sómente uma negaça,
Amor! e teus favores cavilosos.

Na torrente de um fogo azul, espesso,
Que vermelhos relampagos rompiam,
Os enganos não vi, que os não conheço,
Não percebi que afoitos te seguiam;

Se um verdugo, uma harpia,

O Ciume, meu peito já roendo,
Me não mostrasse, rindo, a aleivosia
Que ingenuos corações 'stava mordendo.

Á luz sulfurea e pallida da tocha,

Com que o monstro feroz me allumiava,
Vi da triste Medéa a face roxa,

Que os torvos olhos contra o Ceo voltava:
Hecate macilenta,

Que o espirito de Dido amedrentado
Ás sombras dos ingratos apresenta,
Para mais increpar-lhe o seu peccado.

Do Averno as bronzeas portas se me abriram,
E turbilhões de amantes enganados

As eternas abobadas feriram,

Explicando o seu mal com feros brados:
Qual de Sysipho chora

Não ter em troca a pena; qual sem tino
As furias inquietas chama, implora,

E em vão pretende o fim do seu destino...

Mas qual Boreas, que altivo se levanta,
Troncos abate, messes arruina,

Derruba capiteis, povos espanta,

E envolve em pó os campos que amotina:
Assim varreo agora

Este grupo d'imagens desastradas
A suspeita feroz que me devora...
Cruel Amor!... Suspeitas desgraçadas !...

Vai sobre as azas desse monstro infame,
Vai, Canção, assustar a quem adoro;
De remorsos crueis férvido enxame
Vingue nelle estas lagrimas que choro.

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